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Agora que cá chegou, não diga que não vai colocar este blog nos favoritos... António Pinheiro da Costa, Nascido na Póvoa de Varzim em 1964, vivi em S. João do Estoril até entrar na escola primária, voltei à minha terra. Hoje habito na linda aldeia saloia de Assafora.

sábado, 11 de abril de 2009

Sacristia

Olá visitante
Construi este blog por ter ganho gosto pela cozinha. Tinha em mente abrir uma tasca moderna, mas como me tem sido impossível, decidi escrever um livro cujas crónicas são o dia-a-dia da tasca. Aguardem e daqui a uns tempos terão notícias...
AQUI DEIXO UM CHEIRINHO DA SACRISTIA
Fica a digerir a situação e continua na azáfama da cozinha para que seja mais um dia de bom serviço, que é o melhor cartão-de-visita. Sensivelmente uma hora depois da porta aberta, entra um grupo com características pouco habituais. O primeiro, com aspecto de D. Quixote, magro, bigode atrevido, pêra fina e grisalha. Bem apresentado, calça de ganga escura com vinco de calça clássica, mala de couro e uma postura hirta. Estende-lhe a mão e cumprimenta-o com elegância, mas com uma lábia que geralmente é usada por vendedores.

— Boa tarde, o meu nome é Xavier e vim visitar o seu estaminé. Disseram-me que é a melhor sacristia que alguma igreja já teve.

Estendendo-lhe a mão, António vê que está na frente de um pintas, um artistinha.

— Boa tarde caríssimo e sejam bem-vindos ao meu humilde cantinho.
— O meu amigo tem uma pipa?
— Não, mas vinho não falta. É só escolher.
— Olhe, este senhor velhinho é o Serafim e aquele é o Zé d'Afife, procuramos uns petiscos diferentes, assim à maneira. O que tem?
— Tenho orelheira, camarão cozido, pataniscas de bacalhau feitas na hora…
— Pare que já chega!
— Eu quero pataniscas — diz o Serafim.
— Uma travessinha de pataniscas e uma garrafa de vinho.
— Sentem-se que levo já lá.

Dirigem-se para o canto da música, observando as paredes com ar de admiração.

— Zé, tens viola — Xavier pegando no instrumento pergunta — Faxavor, pode-se tocar?
— Se souberem, toquem à vontade.

Zé d'Afife tira uns acordes de bossa nova com ares de quem sabe o que faz
— … fundamental é mesmo amor, é impossível ser feliz sozinho…

António leva umas tapas de ananás com molho de alho e um camarão em cima, pousa com as bebidas para pasmo dos clientes.

— Ah… estas pataniscas são diferentes — exclama o sósia de D. Quixote — eu não pago estes patrafulhos.
— É oferta de boas vindas, para se entreterem enquanto frito as pataniscas.
— Eu não disse para virmos aqui? O Xavier sabe… ai a treta! Serafim, ligaste ao Peninha?
— Eu? Ele não atende! Gasta a reforma e fica a hibernar, quando quiser que apareça.

Falam ao som da guitarra, os sons saem de forma natural, como se a guitarra cantasse nas mãos do tocador. Xavier vai ao balcão falar com o tasqueiro.

— Olhe, o senhor abriu à pouco?
— Sim, esta semana.
— O meu amigo Serafim, aquele que parece o Pai Natal em versão reduzida, toca concertina e tem uma das suas nove na mala do carro. Pode tocar aqui?
— Claro que sim, estão à espera de quê?
— E você não acende a televisão…

Rindo, António convida-o a olhar à sua volta.

— Já viu alguma televisão na casa?
— Ah… não tem, então podemos tocar.
— A casa é vossa.

As pataniscas quentinhas foram deglutidas num ápice, o vinho fazia estalo e os ânimos foram crescendo com as músicas tradicionais que foram saindo dos instrumentos. As vozes soaram cânticos do Zeca, mas a do violeiro flutuava na sala, como que abençoando a Sacristia.

— Quanto é doce, quanto é bom
No mundo encontrar alguém
Que nos junte contra o peito
A quem nós chamemos mãe…

Não há dúvida que o baladeiro foi uma importante influência no panorama musical português! António recorda que chorou na primeira vez que ouviu essa canção do Zeca. Foi tocada na tasca do Tó, quando o seu irmão estava mal no hospital e tantas outras baladas do poeta fizeram chorar pessoas que se identificam com o sentimento que ele empregava nos poemas.
“Por trás daquela janela… faz anos o meu irmão!” a música foi arma na luta do Dr. José Afonso e continua a ser usada por quem entendeu a mensagem e persiste na luta silenciosa, mas que entra no coração de quem sofre. Surge-lhe na mente a Praça José Afonso em Belmonte, singela como o homem que lhe deu o nome. Recorda também que um dia na Póvoa de Varzim, o pequeno de estatura, mas grande homem, Manuel Lopes, lhe contou que na segunda-feira de Páscoa de 1972, José Afonso e uns amigos cantavam na bouça de Argivai a que chamavam o Anjo e teve que fugir da GNR, que movida pelo sistema da outra senhora, fazia caça aos que de qualquer forma lutavam contra o regime vigente. O tal que caiu da cadeira, o de Santa Comba Dão, fez sofrer o país que lhe deu nome e torturou muitos pais de filhos que apenas lutavam pela felicidade. A história sempre foi uma paixão para o novo tasqueiro que sem formação académica, tem uma cultura geral razoável e dá cartas numa conversa de cariz histórico. Sem saber datas de cor, identifica factos de forma cronológica, tal como a música, que é um autêntico calendário. Sabe que o Conjunto António Mafra gravou um single nos Estados Unidos, um dia depois de Elvis Presley ter gravado no mesmo estúdio. Ou que o primeiro single dos Rolling Stones foi gravado no dia 7 de Junho de 1963. Na música, já as datas estão mais presentes.

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